As Neuroses e os Fenômenos Sintomáticos na Psicanálise - Por Maria Eliana Alves Lima
- wilsongmoura
- 28 de mar. de 2024
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O termo neurose surgiu na segunda metade do século VXIII, pelos estudos do médico escocês Willian Cullen (1710-1790) com intuito de conceituar determinados fenômenos patológicos, intitulados à época como desordem dos nervos, cujos sintomas variavam desde palpitações cardíacas, nervosismo, cólicas intensas, epilepsia, entre outros sintomas ainda não classificados na literatura médica da época.
Com o inicio do século XIX, na classificação dessas doenças relacionadas aos sintomas psíquicos, mas sem ligação com lesões aparentes, a neurose começa a ser mais bem definida, embora continue a ser vinculada a determinado órgão, como por exemplos, a explicação de que os sintomas relatados pelos neuróticos estivessem relacionados a problemas de coração, ou ligados a histeria, que por sua vez estava ligada ao útero, ou seja, atrelada a saúde feminina.
Sigmund Freud (1856-1939) apropriou-se do termo originado da psicopatologia e da psiquiatria e utiliza-o em sua clínica e, a partir dos seus estudos, outras questões começam a se desenhar, quando ele descreve e alinha as três principais neuroses, chamando-as de neuroses de defesa: histérica, obsessiva e fóbica.
São consideradas por Freud como neuroses de defesa, pois por meio de cada uma dessas neuroses o sujeito se defende daquilo que lhe causa mal, angústia ou faz sofrer. Freud enfatiza que essa defesa ocorre por meio do recalque sobre as pulsões relacionadas à sexualidade infantil, aos desejos e à relação com o outro, assim como às angustias causadas notadamente por esses desejos não trabalhados no campo emocional ou social do sujeito.
Há um conflito psíquico entre desejo (ID) e a sua realização (EGO), ou seja, entre a satisfação pulsional inconsciente e a limitação da realidade exterior cuja relação é impossível de ser concretizado, o que gera no sujeito um intenso estado de mal-estar.
Esse conflito leva a uma necessidade de resolução da angústia, que para o neurótico ocorre pelo recalque. Quando Freud fez essa fala, ele organizou dentro do campo da psicanálise, e em contribuição à psiquiatria, a separação entre o campo da neurose e o campo da psicose, colocando o recalque como um fenômeno próprio da neurose.
Recentemente indiquei como uma das características que diferenciam uma neurose de uma psicose o fato de em uma neurose o ego, em sua dependência da realidade, suprimir um fragmento do id (da vida instintual), ao passo que, em uma psicose esse mesmo ego, a serviço do id, se afasta de um fragmento da realidade. Assim, para uma neurose o fator decisivo seria a predominância da influência da realidade, enquanto para uma psicose esse fator seria a predominância do id. Na psicose a perda de realidade estaria necessariamente presente, ao passo que na neurose, segundo pareceria, essa perda seria evitada (Freud, 1924, pg. 154).
Para o neurótico, o objeto recalcado é o que Freud chama de fragmento da realidade – aquilo que está relacionado ao trauma e ao acontecimento insuportável. Essa ocorrência, segundo ele, converge do processo de castração simbólica, ocorrido no período edípico, o qual simboliza a renuncia pulsional e a busca por objetos substitutivos que serão sempre parciais em busca da satisfação pessoal. Ou seja, pelo recalque o sujeito assente à rejeição do desejo pulsional, a partir daí ele recorre a outros elementos de satisfação pessoal em campos sociais não rejeitados pelo mecanismo psíquico.
Essa renovação do objeto satisfatório pelo neurótico é essencialmente convergida para o laço social, no qual ele alcança um objetivo ligado aos ideais socialmente aceitos, em substituição a pulsão original, entretanto os objetos de desejo continuam sendo muito relevantes para o neurótico, que vai tratá-los a partir de suas fantasias, investindo suas energias originais para elas.
Freud trata em seus artigos diversos tipos de neurose, entre as quais, neurose traumática, neurose de destino, neurose de caráter, neurose atual, neurose de angústia, neurose fóbica, neurose narcísica, neurose de transferência, neurastenia... Enfim, com características peculiares que irá depender de cada caso e das relações socioculturais dos pacientes, sendo importante que sejam identificados na clínica, porém enfatiza que o fundamental é diferenciar o campo da neurose dos outros campos, notadamente dos campos da psicose e da perversão, cujas características são distintas e tratáveis por vieses também distintos. Destas, Freud expõe mais enfaticamente em seus artigos:
a) Neurose Fóbica: exteriorização da angústia através das fobias. O sujeito evita acessar o objetivo que o reprime, que causa incômodo exacerbado, numa eterna fuga daquilo que o representa;
b) Neurose Histérica: A reação histérica funciona como defesa de conflitos recalcados, por meio da conversão no corpo.
c) Neurose de Angústia: a angústia é o sintoma principal com manifestação somática, isto é, tremores, palpitações, vertigens e outras manifestações clínicas, mas que têm origem psíquica.
d) Neurose Obsessiva: mantém o sujeito em constante conflito com um pensamento frequente e que lhe causa desprazer, angústia e aflição;
É necessário destacar que Freud relata a importância da psicanálise como campo do conhecimento indispensável ao tratamento da neurose, não sendo indicada para esses outros dois campos da vida psíquica, uma vez que o método analítico é baseado na neurose, embora os pós-freudianos estabeleçam parâmetros segundo os quais a psicanálise também pode intervir em casos de psicose e perversão.
Outro aspecto relevante, presente em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), destaca que a “neurose é o negativo da perversão”. Isso diz respeito à sexualidade infantil que, para Freud, é perversamente polimorfa, ou seja, a criança não possui as interdições ou limitações ligadas a sua satisfação sexual (no sentido freudiano) desde sua tenra infância, durante a qual ela busca formas de satisfação ligadas ao corpo (pelo contato com a mãe, o seio materno, as genitálias, os excrementos...).
Essa satisfação depois encontra outras interdições pelas privações sociais e que, uma vez recalcadas, passam a fazer parte de um contexto de fantasias não realizadas diretamente. Essas fantasias, por sua vez, passam a fazer parte do conjunto de elementos dos quais o neurótico “defende-se” ou o realiza de uma forma pontual ou distorcida, negando, portanto a perversão inicial.
Outro ponto em destaque no conteúdo freudiano acerca da neurose, é que a psicanálise não trata da neurose da mesma forma que trataria a psiquiatria ou a medicina, uma vez que ela não apresenta um conjunto de sinais ou sintomas que delimita uma determinada patologia, mas sim sinais ou sintomas que são secundários ao discurso do sujeito, a forma como ele se coloca na relação com outro e como ele consegue lidar com suas fantasias.
Uma neurose geralmente se contenta em evitar o fragmento da realidade em apreço e proteger-se contra entrar em contato com ele. A distinção nítida entre neurose e psicose, contudo, é enfraquecida pela circunstância de que também na neurose não faltam tentativas de substituir uma realidade desagradável por outra que esteja mais de acordo com os desejos do indivíduo. Isso é possibilitado pela existência de um mundo de fantasia, de um domínio que ficou separado do mundo externo real na época da introdução do princípio de realidade (Freud, 1924, p. 156)
Nesse sentido, na psicanálise, o sintoma é visto como a produção que o sujeito é capaz de fazer para lidar com o seu conflito em relação ao desejo e a pulsão. Portanto, os sinais não são classificatórios de uma neurose ou outra, eles são importantes, mas não necessariamente para classificar uma unidade patológica e sim para localizar a relação do sujeito com seus desejos reprimidos.
Na psicanálise atual dizemos que as neuroses são transtornos afetivos, transtornos do humor que levam pessoas a experimentarem sentimentos e reações incomuns incontroláveis, com o perfeito juízo da realidade, ou seja, o sujeito sabe que está extrapolando no seu comportamento frente aos modelos considerados socialmente convencionais, mesmo assim, ele continua com os excessos até que ele tome a iniciativa de procurar uma ajuda de um analista. Claramente, essa iniciativa precisa ser incentivada pelas pessoas que estão próximas, observando as mudanças no comportamento e avaliando a necessidade de intervenção e ajuda profissional.
A neurose é caracterizada por um desequilíbrio temporário, um afastamento ou uma ruptura com a realidade, negada temporariamente pelo neurótico para afastar um sofrimento ou uma frustação originada no inconsciente. Esse processo não é imperceptível ao sujeito que está em sofrimento, que consegue distinguir a realidade interna da externa, mesmo assim adere-se a um fenômeno incomodo, como um medo, uma fobia, um comportamento repetitivo, uma compulsão que se agrega ao seu cotidiano.
A neurose pode apresentar no individuo diferentes manifestações que vão desde ansiedade comum ou aguda, tendências obsessivas, compulsivas, depressivas, chegando a ocasionar distúrbios de personalidade. No entanto, as neuroses podem passar despercebidas pelo sujeito e seus pares, caso ocorra num grau que não interfira na sua rotina.
Porém, se esse fator fora do normal agregado ao sujeito gera uma angústia que o acompanha diariamente, dificultando sua vivência social, embora ele continue mantendo sua realidade, é necessário, ou pelo menos recomendável, que ele procure o tratamento terapêutico que elimine a angústia pelo reconhecimento de sua origem.
Artigos de diferentes escolas psicanalíticas atuais inferem novidades sobre as origens e os tratamentos das manifestações da neurose, porém em todas é notório que durante a clínica psicanalítica sejam vinculados, pelo analista e especialmente pelo analisando, os fenômenos da neurose com eventos do passado e da infância (ou mesmo manifestações mais recentes), durante os quais ficaram marcas traumáticas que num período posterior, depois de adulta, a pessoa passa a reagir com o universo do presente conforme os sentimentos originários.





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